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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

SUICÍDIO. O QUE A IGREJA PENSA E O QUE O EVANGELHO DIZ.


Hoje pela manhã fomos surpreendidos pela notícia do falecimento de um amigo da minha esposa.

Causa da morte? Suicídio.
A morte em si já nos chama a atenção e nos leva a pensar na fragilidade e vulnerabilidade da nossa vida, mas a morte por suicídio parece agravar ainda mais a perplexidade dos que ficaram.

No meio cristão cria-se uma nuvem negra em torno do destino eterno dos que morrem por suicídio, pois para a grande maioria dos cristãos não há misericórdia ou salvação para os que cometem esse triste e angustiante ato.

Lembro que Matinho Lutero, cheio da certeza do amor incondicional de Deus por seus filhos, entrou carregando o corpo de um cristão que havia cometido suicídio em um cemitério dedicado a Cristãos e corajosamente concedeu um enterro digno para aquele jovem. Naquele tempo era proibido pela igreja enterrar tais pessoas nesses cemitérios.
Passado tantos anos, o suicida ainda tem sua imagem estigmatizada, marginalizada e não poucas vezes tentam esquecer da sua história de vida.

A mensagem do Evangelho de Cristo nos traz esperança, nos conforta e nos acolhe, pois em Cristo a morte já perdeu o seu poder. A promessa do Evangelho é de vida para os que estão cansados e sobrecarregados, é esperança para que esses cansados sigam vivos enquanto vivem, e vivos eternamente com Deus quando, por razões que não nos cabem julgar, desistem da vida, embora em Cristo nós sejamos convidados a viver uma vida digna, buscando sempre lutar o bom combate.
Acreditar na condenação eterna dos nossos irmãos que por um momento de fraqueza, ou por questões psicológicas e físicas cometem suicídio, é diminuir o poder salvador e perdoador conquistado por Cristo na Cruz.
Para os que são filhos de Deus, não importa a forma como eles se encontrarão com a eternidade, mas como eles viveram enquanto aqui estavam conosco.

Meus sentimentos para com a família do pastor da primeira igreja Batista de Serrinha BA e para todos os que perderam entes queridos por meio do suicídio.
Tony Rimualdo.
11 de Setembro de 2014

domingo, 3 de setembro de 2017

BEBÊS ENCARCERADOS.



Os nove meses de gestação, mantendo o seu bebê protegido e seguro dentro do seu ventre, se encerraram há dois dias atras quando a bolsa rompeu trazendo ao mundo um lindo, frágil e puro bebê. Ao sair da maternidade, a mãe terá que passar seis meses em um ambiente menos hostil ao lado do seu filho. Uma mãe me contou sobre sua angustia enquanto eu segurava o seu bebê nos braços e curiosamente perguntei a idade dele."_Ele tem quatro meses. O coração fica apertado a cada dia pois quando completar seis meses ele será retirado de mim e mandado para um orfanato." Disse ela com o semblante triste.


 A penitenciária Feminina da Capital tem um núcleo de acolhimento a detentas que tiveram seus filhos entre as grades. Geralmente são mulheres que foram presas gravidas e que passaram toda a gestação enjauladas. A maternidade é uma cadeia adaptada, ainda mantém as grades e toda a segurança requerida, mas o ambiente é menos sombrio. As celas são cheia de cores, pintadas de branco ou azul, há berços, carrinhos de bebês e brinquedos que se espalham por todo ambiente. As mães tem um conforto assegurado, com camas individuais e liberdade para andar pelos corredores e pátio.

O dia amanheceu frio, uma típica manhã de Setembro, fim de inverno, quando me encontrei com a irmã Laíde e nos dirigimos para a zona norte da capital paulista fazer uma visita evangelística à maternidade prisional. Durante o percurso que durou quase duas horas, nós conversamos sobre as alegrias e dificuldades que enfrentamos para realizar esse trabalho junto ao sistema prisional paulistano. Ela reclamava da rigidez imposta pela secretaria de segurança e pela falta de vontade e indiferença por parte dos líderes da denominação Batista do Estado de São Paulo para com nossa luta. Conversamos muito, nos encorajamos mutualmente e nos fortalecemos com a esperança de que um dia poderemos ter o devido reconhecimento e valorização do nosso trabalho.

Ao chegarmos na penitenciária passamos pelo procedimento de revista e logo fomos direcionados para a maternidade enquanto a outra parte do nosso grupo foi para a ala onde ficam as estrangeiras presas aqui em São Paulo. Atravessamos um portão que deu acesso ao pátio onde as detentas fazem banho de sol, entre elas e nós, havia uma tela de metal onde elas estendiam as fraldas e roupas infantis molhadas para enxugar ao sol. Ainda ali eu pude ver uma cena que me chamou a atenção. Uma mãe sentada no banco de concreto com seu bebê no colo e uma mulher vestida com um uniforme vermelho impondo as mãos sobre a cabeça daquela mãe e como quem estivesse orando, bradava palavras de ordens. Mesmo estando separado por uma grande e devido a distancia que me separava daquela cena, eu pude ouvir algumas palavras, "Eu determino que saia dela! Sai em nome de Jesus!" Bradava a senhora enquanto a mãe e seu bebê permaneciam passivos, quietos e sem esboçar nenhum movimento. "_Que situação bizarra!" Pensei comigo mesmo ao reprovar aquela atitude.

Irmã Laíde e eu entramos e fomos recepcionados por algumas presas que com sorriso no rosto e segurando seus bebês em direção ao banho de sol matinal, se mostravam felizes por nossa presença. Uma delas informa as outras sobre a nossa presença e juntos formos para o pátio. Chegando lá já haviam algumas outras detentas, seus bebês todos tinham menos de seis meses, exceto dois bebês, filhos de duas mães estrangeiras uma paraguaia e outra Chilena, esses são permitidos ficar com suas mães por mais tempo que os curtos seis meses. Pego alguns nos braços, brinco com eles enquanto as outras detentas chegavam.

A irmã Laíde se ausentou por uns instantes para conversar pessoalmente com outras internas, enquanto isso eu iniciei o nosso momento devocional com as mães que se acomodavam nos bancos de concreto.
_Queridas, quero dizer que vocês têm o dom de fazer bebês lindos! Disse eu arrancando o sorriso de gratidão de todas as detentas que estavam ali. Depois disso continuei.

_Tem uma história de uma mãe nas Escrituras Sagradas. Essa mãe foi procurar Jesus, ela estava angustiada pois sua filha estava presa nos poderes malignos. A Bíblia diz que essa mulher era uma estrangeira e que Jesus tinha ido para o país dela para tentar descansar um pouco. Em Marcos 7. 24:30 nos conta que Jesus estava querendo passar despercebido naquele lugar, mas a mulher soube que Jesus estava lá e insistiu com ele para que ele libertasse a sua filha. Jesus vendo a insistência dela disse:
"_Filha, não é justo tirar o pão boca dos filhos e lançar aos cachorrinhos."

Ela então respondeu:
"_Eu sei disso meu Senhor, mas até os cachorrinhos comem as migalhas que caem da mesa enquanto os filhos comem."
Jesus ficou surpreso com a resposta dela e então lhe disse:
"_Por essa palavra, vai; o demônio já saiu de tua filha. E, indo ela para sua casa, achou a filha deitada sobre a cama, pois o demônio já tinha saído.

As vezes nós somos levados a pensar que as pessoas na Bíblia são santas, sem defeitos e que por isso estão bem distantes de nós, que somos imperfeitos, pecadores e errantes. Mas esse pensar é totalmente errado. As pessoas descritas na Bíblia, são pessoas comuns, iguais a você e a mim, com os mesmos anseios, angústias, incertezas e humanidade. Essa mulher aqui, ela era estrangeira, com uma angústia e que foi atendida por Jesus. E qual era a angústia dela? Perguntei para as detentas. "_Ela estava com a filha possessa!" Respondeu uma delas. Eu disse: _Sim, ela tinha uma filha que estava com a vida em risco, uma filha que estava aprisionada pelas forças espirituais do mal. Agora imagine que essa mulher fosse você e que vocês corressem o risco de ter seus filhos retirados de vocês por poderes que estivessem além das suas forças. A quem vocês recorreriam? A quem vocês apelariam? Neste momento uma das mulheres, mãe de um bebê de quatro meses estava visivelmente tocada. Ela me interrompeu e disse: "_Pastor, a cada dia que passa meu coração fica mais apertado, 
 O coração fica apertado a cada dia pois quando a Clarisse completar seis meses ela será retirado de mim e mandada para um orfanato. Eu não sei o que fazer, não sei a quem apelar."
As lágrimas dela caiam enquanto as outras detentas, sob o mesmo destino, tentavam consolá-la. Eu estendi a mão e enxuguei as lágrimas do rosto dela e lhe disse: _Filha, olhe pra mim. Ela levantou o rosto e com os olhos fitos em mim eu disse: _A história dessa mulher que está na Bíblia, é a sua história. É a história de todas as mães que vivem essa angústia de não saberem o que fazer para ver a libertação de suas filhas e filhos, é a história da mãe que procura a Jesus quando todas as outras possibilidades se esgotaram. E tem mais! Quando uma mulher, que é mãe, procura a Cristo Jesus, coisas ordinárias e extraordinárias acontecem! Quando uma mãe se lança aos pés de Jesus o sentimento materno mais puro é externado, é colocado para fora. Muitas mães tem filhos porque pariram eles, mas que não são mães, pois passado aquele primeiro momento da infância de seus bebês, elas acabam esquecendo do carinho, amor e cuidado e passam a tratar os filhos com indiferença, já não expressam o cuidado ao longo da vida dos filhos, passam a pensar que depois que crescem, os filhos só precisam de comida, abrigo e vestimentas. Com isso o sentimento materno vai se esvaziando, vai se perdendo. Então, em algum momento elas são surpreendidas com os filhos distantes, correndo risco de morte, aprisionados, possessos de ódio, de raiva de rebeldia. São nessas situações que muitas vezes as mães buscam ajuda para tentarem salvar seus filhos e nessa tentativa de buscar salvar os filhos, as mães redescobrem os sentimentos maternos, deixam aflorar o cuidado que antes foi esquecido, demonstram amor que por muito tempo foi trocado pela indiferença. É na busca da salvação dos filhos que muitas mães são salvas de si mesmas! Ao buscarem Jesus, ao renderem-se à fé, muitas mães passam pelo milagre de terem seus sentimentos maternos ressuscitados! 


Todas as mães ficavam em silêncio neste momento e as crianças dormiam como anjos. Já não sei se elas se identificavam como mães precisando ter seus sentimentos ressuscitados ou como filhas que se perderam de suas mães. Fiz um breve silêncio para então continuar a falar:
_ Nessa história da mãe que busca ajuda a Jesus, nós vemos outras coisas incríveis acontecerem. Vemos um Jesus humano, cansado do assédio do povo que o procurava para curar, pregar, salvar e fazer grandes ensinamentos. Por essa razão que Jesus saiu do seu país para buscar um refúgio em outras fronteiras. Jesus estava cansado! Mas aí chegou aquela mulher insistente e na sua insistência, Jesus demonstra algo incrível. Olhando para aquelas mulheres e percebendo no olhar delas a curiosidade de saber que algo incrível seria, eu disse: _ Escutem aqui. JESUS PODE ATÉ SE CANSAR DAS AGENDAS, DOS COMPROMISSOS, DOS AFAZERES, MAS ELE JAMAIS SE CANSA DE UM SER HUMANO QUE O BUSCA COM O CORAÇÃO QUEBRANTADO!

Elas olharam pra mim e deu pra ver um misto de alegria expresso no olhar cheio de lágrimas. Então eu disse olhando para elas: _ Queridas, Jesus jamais vai se cansar de vocês! Ele jamais vai deixar de lhes fazer o bem! Algumas outras detentas se aproximaram com seus bebês, elas ouviam de longe o que eu estava dizendo e atraídas pelo Evangelho, timidamente sentaram e eu continuei.

_Há outra coisa linda que Jesus faz com mães que o procuram. Ele restaura a dignidade da mulher! Jesus disse para aquela mulher que não era justo tirar os pães dos filhos e lançar aos cachorrinhos. Aquela mulher insistiu dizendo que até os cachorrinhos comiam as sobras e Jesus atende ela libertando a filha dela.
Geralmente é dessa forma que as pessoas têm sua dignidade destruída. Elas começam a acreditar ser aquilo que as pessoas dizem que elas são. A dignidade e identidade é destruída quando as pessoas dizem que você é uma drogada sem futuro e você acredita nisso e diz; "sim, eu sou drogada mesmo e sem futuro." As pessoas dizem que você é isso e aquilo e você passa a acreditar nisso. Muita gente já deve ter falado para vocês que vocês são irresponsáveis e que não tem mais nenhuma esperança e vocês têm acreditado nisso até hoje. Aquela mulher tinha uma imagem errada de si mesma, ela confirma o que Jesus disse digredindo sua dignidade e sua identidade, mas Jesus ao responder e atender o pedido dela, Ele a trata não como uma 'cadela', mas a uma filha amada. É isso que Jesus faz! Ele restaura a verdadeira identidade e dignidade da pessoa. Ele as trata como seres humanos, amados, queridos, importantes, especiais. Jesus quer restaurar a sua dignidade!

Uma paz incrível toma conta daquelas mulheres. Pedi para que elas se levantassem e dessem as mãos umas para as outras e juntos oramos. Ao terminar a oração, elas me abraçam e mesmo sem dizer muitas palavras, eu entendi que aquele gesto significava um grande gesto de gratidão e de paz.

Eu fui então procurar a irmã Laíde e ao passar por uma das "obreiras" da igreja universal, a qual eu vi orando impondo as mãos em uma detenta 'expulsando' os demônios, eu a perguntei do porquê dela fazer aquilo. Ela me respondeu que aquilo era parte da orientação que ela tinha recebido dos líderes dela. Então eu sutilmente toquei no ombro dela e disse: _ Você não acha que essas mulheres já estão muito sobrecarregadas de tanta tensão, medos, solidão e angústias? Por quê você, ao invés de transmitir mais medo, pressão, angústia, superstição, não transmite paz, perdão, salvação e principalmente, amor?
Ela não conseguiu me responder, então eu me despedi dela pedindo para ela parar com aquilo e pensar no que eu havia lhe dito.

Momentos depois, nós saímos daquela penitenciária. Irmã Laíde e eu, juntos, de forma quase que anônima, sem espetáculos, sem holofotes, sem autorização ou autenticação religiosa, apenas com o evangelho e com o coração de dois servos de Deus, pacificados, amados e transmitindo o amor e perdão do Criador.

Antoniel Rimualdo
São Paulo, 02 de Setembro de 2017
Lua Crescente.
Inverno.

P.s. Dez dias sem minha baiana, saudades do meu amor.