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quinta-feira, 31 de maio de 2018

UMA TARDE DE PAZ NA PRISÃO




Era pra ser apenas mais uma ação de capelania prisional no Hospital Psiquiátrico de Custódia de Franco da Rocha, isso não quer dizer que a rotina seja sempre a mesma, mas que nesta tarde de Outono algo de especial aconteceu. Estou aqui tentando assimilar as percepções que nosso último encontro teve na vida daquelas mulheres e na minha vida.

Cristina e eu chegamos no horário previsto e depois de afinar o violão, nós fomos encaminhados para o salão onde realizamos nossas reuniões com as detentas. Aqui no hospital psiquiátrico elas são chamadas de pacientes, pois estão em tratamento devido suas debilidades psicológicas ou alterações psiquiátricas causadas pelas drogas. Depois de dois anos no serviço pastoral entre encarcerados, o estilhar dos portões de ferro e o barulho das grades que se fecham ao entrarmos já não me assusta mais, a gente vai se acostumando de certa forma.

Como sempre, ao chegarmos, as detentas nos cumprimentam e anunciam aos gritos "O pastor chegou, olha o culto! olha o culto!!".

 Me encaminho ao salão destinado as nossas reuniões e começo a dedilhar o violão, a Cristina sentada numa cadeira um pouco distante, começa a conversar com uma ou outra detenta que entra no recinto. Organizamos as cadeiras e em menos de cinco minutos o salão se encontra cheio com a presença de pelo menos 30 pacientes. A ala feminina tem em torno de 80 detentas, algumas trabalham durante as tardes, outras fazem trabalhos manuais e algumas ficam disponíveis para participar das nossas reuniões. Reuniões em torno do evangelho e com uma liturgia simples e participativa, nós cantamos canções conhecidas, oramos, conversamos e semeamos a Palavra do Evangelho.

Elas chegam sempre com uma certa reverência e sentam nas cadeiras, outras se ajoelham e fazem uma breve oração, enquanto isso meu violão, que foi doado por uma carcereira, faz soar uma melodia bem conhecida por elas:


"♫ E mesmo quando eu chorar,
as minhas lágrimas serão,
para regar a minha fé,
e consolar meu coração,
pois os que choram aos pés da cruz,
clamando em nome de Jesus,
 alcançará de Ti Senhor,
misericórdia, Graça e Luz.
♫"

No momento em que eu tocava e cantava essa canção, não pude deixar de perceber a emoção de uma das pacientes. Ela estava sentada à minha esquerda, com os olhos fechados, ela levava as mãos ao seu rosto delicado secando suas lágrimas, de pele negra, algumas cicatrizes no braço e uma história cheia de dramas, dores e culpas. Lembro dela já ter pedido oração para o filho pequeno. Por um instante ela, mesmo com os olhos banhados de lágrimas, deixa um breve sorriso escapar. Por um momento, creio que aquele encontro com música, oração e amor a faz esquecer das grades, da solidão, da saudade e da culpa.


Ao terminar de cantar aquela música, ouço uma voz a me pedir:"_Pastor, canta aquela música que você nos ensinou, aquela que diz: 'tente lembrar..'"
Imediatamente começo a dedilhar o violão e todas em uma só voz , como se estivessem em um coral, começam a cantar: 

"♫ Tente lembrar, se alguma vez Jesus te abandonou? ♫ Tente lembrar, quantas vezes Ele já te levantou ♫"

É impressionante notar o que acontece com um ambiente, quando pessoas cheias de amor,
 movidas pela paz e a solidariedade se encontram! Quando pessoas assim se unem, fazem com que ambientes adoecidos se tornem lugares de cura, de paz e de transformação. Aquele presídio/hospício, todas as quartas feiras se transforma de um ambiente de prisão, depressão, raivas e dores, em um lugar de paz, amor, humanidade, cura e de luz. Já vi igrejas serem lugares sombrios. Já vi crentes e pastores se tornarem carcereiros aprisionadores, mentirosos e carrascos, transformarem ambientes de igrejas em lugares doentios, sombrios, mortais, cheios de mentiras e ódios. 

Com o pastoreio entre os encarcerados, eu também aprendi que não é o prédio que se torna igreja, mas sim as pessoas que se reúnem e que são sensíveis ao Evangelho, evangelho que é paz, amor e verdade; então onde há pessoas assim, qualquer lugar pode se tornar um ambiente onde a verdadeira Igreja de Cristo se faz presente.

Quando eu me proponho a levar a palavra do Evangelho, eu sempre tenho comigo a consciência e seriedade da grande responsabilidade que tenho. Independentemente de onde eu esteja, com quem eu estiver falando, em qual for o lugar, eu levo comigo a certeza de que o Evangelho não deve ser reduzido à palavras de auto ajuda, não deve ser comparado à mensagens "mágicas" de indução psicológicas, o Evangelho não deve ser indiferente as realidades que a vida apresenta. Por isso o Evangelho tem que ser real, aplicável, transformador e sempre mensageiro da mensagem de justiça, paz e do amor de Deus que transforma, perdoa, pacifica e que nos recebe como filhos amados.

 O ambiente estava mais leve, as expressões das detentas estavam bem mais suaves e singelas, o chão do coração delas estava arado e pronto para receber a semente do Evangelho. Foi então que eu iniciei:
_Vocês lembram daquelas palavras de Jesus em que Ele diz: "Vinde a mim todos vocês que estão cansados e oprimidos e eu lhes aliviarei, aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrarão descanso para vossas almas"? Elas responderam que sim, algumas até recitaram comigo enquanto eu falava o versículo. Então eu continuei:
_ Essas palavras de Jesus são bastante conhecidas por muitos, mas pouco compreendidas pela maioria. Nós geralmente pensamos nessas palavras apenas como se Jesus estivesse falando sobre céu e inferno, sobre almas como sendo um descanso aplicado apenas para quando a pessoa morrer. Também somos tentados a pensar nessas palavras como sendo boas para os outros e nunca para nós mesmos. Então deixe eu lhe falar algo importante aqui. Primeiro você precisa entender que Jesus estava falando com gente, com pessoas que tinham suas dores, seus dramas, seus conflitos, pessoas normais iguais a você e a mim. No tempo de Jesus, ele andava com pessoas que eram discriminadas pelos religiosos, eram pessoas as quais os religiosos chamavam pelo adjetivo, não pelo nome, não pela profissão. Os religiosos chamavam as pessoas com quem Jesus andava de pecadores, prostitutas, cachaceiros. Era assim que os religiosos se referiam àquelas pessoas para quem Jesus disse as palavras "vinde a mim vocês que estão cansados e oprimidos". Portanto, as pessoas estavam cansadas! Cansadas de serem desprezadas, cansadas de serem excluídas e não serem recebidas por aqueles que naquele tempo eram os representantes de Deus entre eles. Por outro lado, as pessoas estavam oprimidas pelo governo. Elas não significavam nada para o governo romano, eram apenas fonte de lucro, de geração de impostos. A vida não tinha muito valor, as histórias de vida pouco importavam, nem para o governo, nem para os sacerdotes da religião. Então nesse contexto, Jesus se aproxima das pessoas, anda com elas, sente as dores delas, ouve seus dramas, suas dores, seus abandonos, suas tristezas, seus desprezos e leva a elas essas palavras de transformação, de vida, de paz. Ele diz: "Venham a mim, vocês que estão cansados, oprimidos e eu aliviarei seus pesos e vocês encontrarão descanso para a alma de vocês."

Neste momento, enquanto eu falava com serenidade e emoção, eu pude ver nos olhos delas um misto de tristeza e curiosidade. Tristeza por terem se identificado com aquelas pessoas cansadas e oprimidas, curiosidade por quererem saber como que o Evangelho de Jesus poderia aliviá-las hoje. Continuei a falar como quem tem uma mensagem capaz de arrancar um tumor com a precisão e perícia de um médico cirurgião.

_Queridas, escutem o que vou lhes dizer. Eu sei que vocês estão cansadas. Cansadas de serem tratadas como um pedaço de pecado, de serem chamada não mais pelo seus nomes, mas pelos seus crimes. Estão cansadas de serem excluídas e discriminadas pelos religiosos, pela religião, de serem consideradas como pessoas sem futuro e sem solução. No tempo de Jesus as pessoas eram apelidadas pelos seus pecados, eles chamavam Maria Madalena apenas de "a prostituta". Maria Madalena já não tinha mais nome, ela sentia o bullying dos religiosos, mas ao se encontrar com Jesus, ele tirou dela esse cansaço e devolveu a ela a sua verdadeira identidade! Maria Madalena, Maria perdoada, Maria restaurada, Maria filha de Deus!
 Vocês que estão aqui presas não precisam carregar essa carga pesada que está cansando vocês! Vocês podem se livrar desse peso, basta vir a Jesus que ele vai lhe devolver a verdadeira identidade, lhe chamar pelo seu nome e lhe perdoar dos seus males e pecados. Vocês não precisam mais viver oprimidas pelas injustiças, pela culpa do erro. Deixa eu lhes dizer algo aqui. Se eu vivesse todos os dias me culpando pelos meus erros, me martirizando pelos meus pecados, eu adoeceria da mente. Pois qualquer mente sã que vive oprimida pela culpa, acaba adoecendo e muitas vezes enlouquecem. A mensagem do Evangelho retira de nós a opressão da culpa causada pelos nossos erros e pecados. Jesus retira essa opressão e a substitui pelo alivio!! Alivio causado pelo perdão, alívio para a vida, alívio que nos permite vivermos LIVRES, mesmo estando encarcerados!! É esse alívio que eu vim trazer hoje para vocês minhas queridas detentas. Vocês não precisam mais viver cansadas e oprimidas. Vocês podem receber hoje o alívio, a paz e a dignidade de serem chamadas como filhas perdoadas e amadas por Deus!!

Enquanto eu falava, uma senhora que já está há mais de doze anos presa me interrompeu. Seus olhos brilhavam, e ela com a voz embargada disse: _Eu, hoje e pra sempre, estou perdoada, sou amada e agora posso descansar do peso da culpa e me aliviar da opressão pela qual tenho sido oprimida por tantos anos. Eu sou perdoada e aceita por Deus!

E assim pedi que fizéssemos um circulo e juntos oramos o pai nosso. A mensagem foi plantada e deu pra sentir que foi acolhida no coração de todos ali. Ao terminar, elas se despediam de nós e com abraços, apertos de mãos e nos olhar a expressão de quem tirou uma tonelada de peso da alma, achando descanso e paz com o Criador. E foram todas, andando, amadas, perdoadas, aceitas e leves de alma.


Como estudante de Direito, eu sei da importância de que visitemos as instituições judiciais para nos familiarizarmos e nos ambientarmos com a rotina jurídica. Como pastor, creio que só teremos pastores humanos, pastores de gente, pastores não mercenários e desumanos, se estimularmos que os pastores deixem seus escritórios frios e passem a andar com gente, a visitar presídios, a se aproximar de pessoas que não podem dar nenhuma vantagem em valores monetários, mas que podem ensiná-los a exercitar a humanidade e o verdadeiro pastoreio cristão.

Agora que você terminou de ler até aqui, eu lhe convido a se juntar a mim. Se você quer fazer o bem, quer ser luz, quer ser Jesus para as pessoas, eu lhe apresento essa possibilidade, esse canal de demonstrar amor, paz, perdão e salvação.

São Paulo,
30 de Maio 2018
Lua cheia. Outono.

Pr. Antoniel Rimualdo
Bacharelando em Direito
Bacharel em Teologia
Pastor Batista (pastor de gente)


Um comentário:

roberto disse...
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